quinta-feira, 11 de junho de 2009

Conto

O Buraco

Era noite, ou talvez nem isso; era um momento que nem parecia noite, não fossem as sombras dos prédios engolindo sua sombra. Era noite sim, mas parecia uma outra coisa, algo sobrenatural, incomum. Ele saíra do bar, onde bebera pouco, mesmo julgando que não poderia ter bebido nada. Mas achou que deveria beber, que aquele era o único e o último bar do mundo. Caminhava distraído por uma rua central da cidade, pensando... Não, ele não pensava em nada.
_ Ei, cuidado! O buraco, o buraco! _ gritou um voz que vinha de várias direções, um coro de uma nota só, um aviso gritado quase em desespero. Assim, não era apenas uma voz, mas várias na mesma altura, no mesmo tom.
Estacou de susto, de empacar freando, mais ou menos como mula quando empaca. Olhou à sua frente e viu um buraco negro pela noite e pela fundura. Não via o final do poço no asfalto, mesmo com a iluminação de um poste, mas percebeu que era fundo, que talvez chegasse ao centro da terra, pois gritou “Ei!” e calculou que o eco voltou depois de uns três ou quatro minutos. Ouviu, então uma voz linda, afinadíssima, como dizem que é a voz de uma sereia. Era uma voz cantante, hipnotizante.
_ Quem é você?
_ Sou a vida, seu caminho, sua felicidade.
_ Felicidade? Dentro de um buraco, no meio do asfalto?
_ Isso mesmo. Venha.
_ Para onde?
_ Ora, para o seu lugar, o seu mundo.
_ Está louca? Como um buraco escuro e sem fundo, de onde vem apenas uma voz pode ser o meu mundo?
_ O que você vê é a entrada. Aqui dentro há luz, uma claridade que você nunca viu. Há cores, há música, comida, bebida, há gente linda, vivendo uma festa que nunca termina.
_ Está querendo me enganar? Você é o diabo e este buraco é a entrada para o inferno. Se fosse coisa boa eu seria chamado para subir e não para descer na escuridão.
_ Que diabo, seu bobo. Isso não existe. Aqui você não vai estar dentro nem fora de lugar nenhum. Estou te chamando para um mundo perfeito, desconhecido, transcendental, algo diferente, verdadeiro, sem as maldades exteriores dessa superfície que o prende, o repreende e nunca o liberta para a vida verdadeira.
O homem pensou um bocado. Estava quase dominado pelo discurso daquela mulher (ele achava que era mulher), que contagiava, entontecia, desprendia-o da realidade.
_ Como é, moço? Vem ou não vem? Não tema nada. Não vai cair. Basta entrar no buraco e descerá lentamente, flutuando, como uma folha solta, rumo à eterna felicidade.
_ Eterna?
_ Sim. Aqui não se morre, nem se nasce. Aqui as pessoas apenas existem, são, se comandam, se entregam, como ao um sonho do qual nunca mais querem despertar .
_ Eu vou.
Deu uma ultima olhada para o mundo à sua volta. Nunca se sentiu tão só, nem se percebeu tão abandonado no deserto urbano de uma rua repleta de sombras. Avançou para o buraco e caiu sobre umas pedras que havia no fundo, há mais ou menos dois metros da superfície.
Foi acordado pela manhã quando dois funcionários da limpeza pública, tentavam retirá-lo do buraco.

Escrito por Cairbar Garcia Rodrigues.
Fonte: Texto Livre

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